17 de out. de 2009

Pusilânime



Minha última lágrima caía quando o vi de longe, bem longe. Estava já com a mala nas mãos, pronta para entrar no carro e partir para um destino que nem eu mesma sabia ao certo qual era. Mas aqueles olhos fixados em mim prendiam-me ali como correntes podem prender um fugitivo. Eu não podia parar de olhá-lo. Eu não conseguia parar de olhá-lo.

Ele entendia o que estava fazendo com meu corpo naquele momento. Sabia o quão doloroso aquilo estava sendo pra mim, mas ele não desistiria tão facilmente. Ficamos ali perplexos por um longo tempo, separados por metros de distância que iam diminuindo cada vez que podia tocá-lo com pensamentos.

Era tarde para qualquer coisa. O vento começava a ficar mais forte, precisávamos sair dali, voltar para casa. Eu poderia enfrentar qualquer tornado só para ficar ali admirando seus olhos tristes e seu cabelo movendo-se com o vento, revelando em poucos centímetros o rosto de um homem.

A cada passo que dava em direção ao carro de papai, o vento gritava-me para ficar. As nuvens moviam-se nervosamente no céu como pedido de espera. As ruas estavam vazias e no rádio locutores avisavam seguidamente que os moradores da pequena cidade de Linab deveriam seguir rapidamente para as fronteiras, mantendo-se longe do local, que em poucos minutos seria destruído por um tornado.

As pessoas tendem a proteger aquilo que lhes pertence, assim como uma mãe que se arrisca pelo filho. Muitos moradores abandonavam seus lares onde construíram muito mais do que paredes e mordomia. Haviam criado VIDA. E pelo mesmo motivo que os pedia para manterem-se ali, deveriam sair.

Dona Elizabeth sempre fora completamente teimosa e acreditava fielmente que aquele mapa de tesouro herdado de seu avô era real. A ganância lhe falava mais alto do que qualquer outra coisa. Decidiu ficar ali à procura do baú enterrado no jardim. O marido bem que tentou algumas vezes convencê-la a entrar no carro, mas ela recusou-se. Martin amava sua mãe tanto quanto sua própria vida e não a abandonaria por nada.

Eu amava Martin. Com toda e qualquer força que havia dentro de mim, mas era jovem, jovem demais e prezava mais por minha própria vida. Não poderia ficar ali, não queria. Estava decidida a seguir em frente sem olhar para trás. Decidida a nunca mais por os pés ali, nem nunca voltar para ver aquela casinha azul destruída. Mas todas minhas certezas fugiram de mim quando o vi parado na rua, esperando que eu deixasse tudo para trás, que lhe desse a mão e dissesse que tudo ficaria bem.

Desta vez nada daria certo. Desta vez eu não seguraria sua mão para acalmá-lo. Minhas lágrimas cortavam a alma. Segui em direção ao carro, sem olhar uma única vez para trás. Ele fez a escolha de ficar, e agora eu decidia abandoná-lo.

Papai arrancou. Passamos por Martin sentado na rua. Ele chorava descontroladamente. Eu também me sentia assim. Que Deus o protegesse. Que Deus o protegesse muito bem!

Saímos vivos daquela tragédia sem nenhum arranhão sequer. As famílias que ficaram no local nunca mais foram encontradas. Durante cinco anos eu hesitei em perder qualquer noticiário da televisão, esperando que houvessem sobreviventes. Mas isso nunca aconteceu.

Talvez se tivéssemos ficado... Talvez se eu não tivesse o abandonado as coisas teriam sido diferentes. O mundo não parou para acolher minhas tristezas. Eu precisava continuar vivendo.

Quinze anos após a tragédia, duas famílias reuniam-se para a celebração de meu casamento com Derik. Nunca seríamos felizes. Eu sabia disso. Mas sua voz, seu jeito lembrava-me muito Martin. Eu o amava.

Durante todos os segundos do casamento, chorei baixinho. Não de emoção, mas de tristeza. Por que o abandonei lá? Fui fraca, covarde.

Derik e todo o resto esperavam que eu dissesse sim para o padre. Mas dessa vez não faria o lógico, porque o coração não conhece a razão.

Joguei o buquê no chão e sai calmamente pela porta da igreja. Ninguém nunca mais me veria. Nunca mais me controlariam.

Continuei caminhando sem rumo, até encontrar-me na beira do mar. As ondas tocavam a barra do vestido branco já sujo. Tentavam levá-lo para longe de mim. Um filme passava-se em minha mente.

O dia escureceu. Por entre as nuvens, fracos raios de sol tentavam iluminar os homens. Não havia ninguém além de mim naquela praia.

Alguns metros a frente, percebi que haviam pegadas marcadas na areia. Sem nenhuma razão, segui-as. Não muito longe dali, estava um garoto sentado no chão, com a cabeça baixa. Ele chorava descontroladamente. Tinha olhos penetrantes.

Aquela visão me deixara tão alucinada que não percebi o quanto a maré e a força das ondas haviam aumentado em todo aquele tempo. A imensidão do mar levou todas as lembranças consigo. Todas as histórias de amor eterno.

Eu continuei ali parada, buscando respostas para minhas covardias. Buscando respostas para tudo aquilo que nunca tive coragem de admitir.

3 comentários:

  1. Gostei da Pusilânime,tipo,fico meio que uma história de um seriado Americano,só achei o final meio escroto :x
    Ps:.As pessoas devem tomar suas próprias decisões,mesmo aquelas que causam um certo "frio na barriga"...sabe,eu era assim e descobri que se vc não toma suas próprias iniciativas,hoje,amanhã pode ser tarde demais,pois o tempo não corre atrás de nós,e sim,agente que corre atrás dele.

    AnônimoR.

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  2. Gostei do teu comentário.. Em relação ao final, quis mostrar que a falta de "ação" da personagem a fez chegar até aquela situação..terminar sem absolutamente nada e perdida nos próprios pensamentos.
    Enfim, quanto a tua observação em relação ao tempo, concordo plenamente contigo. Mas tem certos momentos em que é pior agir, não acha?

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