O vento sul daquela tarde aquarelada de laranja, fazia a gaiola branca, já enferrujada balançar. Um rangido fino e contínuo espalhava-se pelos corredores abandonados da casa. O ferro retorcia-se e soltava-se aos poucos da corda que o pendia a partir do teto.
E então, quase que inesperadamente, por detrás das sombras melancólicas que jaziam na gaiola branca, surge um animal exótico e sentimentalista. Apertando desesperadamente as barras de ferro, olha desesperado para todos os lados, com seus grandes olhos chorosos e ruídos indecifráveis.
O alarde dura pouco. Ele logo percebe que há muitos outros olhos chorosos que o observam com desconfiança, nas entranhas da escuridão daquele local. Talvez fosse seu destino. Seu caminho.
Acomoda-se devagar na gaiola, misturando-se com as sombras que o acolhem. E então, já conformado e sem esperanças, a criatura vai sussurrando baixinho uma canção de ninar.
A porta da gaiola se abre devagar. Ele levanta-se e sai. Pega sua pasta, seus documentos e ainda em profundo silêncio, vai para o trabalho.
10 de set. de 2010
9 de set. de 2010
angústia
E então, ela abriu os olhos devagar, e seu rosto pálido e enrubescido foi tornando-se maleável e doce. Aos poucos, as bochechas coravam e um sorriso acalentador iluminava-lhe a face.
Do outro lado do vidro, um homem de meia idade, com os olhos tristes e o corpo paralizado, observava cuidadosamente todos os movimentos na sala.
Estava nervoso. O coração acelerava de supetão, parecendo sair-lhe quase pela boca. De vez, um arrepio subia-lhe pela espinha, fazendo-o remexer-se rapidamente, com o nariz retorcido.
A garota já consciente, ao perceber a presença masculina fora da sala, enrubesceu. Os olhos cinzentos e tristonhos encontraram-se com os dele. As mãos enfaixadas juntaram-se rapidamente num gesto conjunto de dor e angústia. Uma expressão de pavor assumira a face doce da menina. Algumas lágrimas que borravam a alegria pintada da garota, eram impedidas com seus dedos finos e delicados.
Num súbito segundo de arrependimento, ele a vê ali, machucada. A culpa apodera-se de sua alma. Uma mistura confusa de arrependimento e incompreensão surgem, fazendo-lhe sentir um aperto, que lhe sobe da alma e lhe nutre o coração. Sentia-se sujo e culpado. Culpado e sujo.
Baixou os olhos devagar e encostou a cabeça no vidro. Porém, nenhuma lágrima brotou-lhe pelo rosto. Ele chorava. Mas, o pranto corria-lhe pelas veias, percorrendo a alma. Sentiu o ar pesando a sua volta. Uma nuvem escura o envolveu delicadamente.
Levantou os olhos na direção da garota. Pela última vez. E então, o sorriso ardente da culpa, queimou-lhe a alma.
Talvez você não saiba, mas hoje tomei uma decisão em seu lugar.
Decidi por você nunca mais me magoar. Decidi por você nunca mais me usar, mentir e manipular-me.
E só hoje eu descobri que poderia ter evitado o mundo se o quisesse.
O medo, a mágoa, a dor. De um outro lado da moeda, eu decido que não vou buscar vingança. A vingança é um banquete farto servido para os enfastiados. Mais tarde, o mundo lhe dirá o que eu jamais lhe disse.
Só hoje percebi que você sempre soube o que eu estava sentindo. E só hoje, eu decidi por você, que nunca mais aproveitaria de meu amor para me beneficiar.
Hoje, eu decidi por você todas as coisas que você jamais decidiria por mim.
Decidi por você nunca mais me magoar. Decidi por você nunca mais me usar, mentir e manipular-me.
E só hoje eu descobri que poderia ter evitado o mundo se o quisesse.
O medo, a mágoa, a dor. De um outro lado da moeda, eu decido que não vou buscar vingança. A vingança é um banquete farto servido para os enfastiados. Mais tarde, o mundo lhe dirá o que eu jamais lhe disse.
Só hoje percebi que você sempre soube o que eu estava sentindo. E só hoje, eu decidi por você, que nunca mais aproveitaria de meu amor para me beneficiar.
Hoje, eu decidi por você todas as coisas que você jamais decidiria por mim.
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